Regeneração Precede Fé? O Uso de 1João 5:1 Como Texto-Prova – Conclusão

Conclusão

A alegação que os tempos em 1João 5:1 indicam que regeneração precede fé é indefensável porque: (1) é questionável se qualquer relacionamento cronológico entre eles é sugerido, dado que alguns gramáticos negam que tempos gregos gramaticalizam o tempo, e mais importante, um dos tempos no verso ocorre em um particípio substantival, que pode ser desprovido de significância temporal mesmo em uma visão mais tradicional dos tempos verbais gregos; e (2) se os tempos são para serem relacionados temporalmente, como parece mais provável, então a gramática sugere que ou o crer e o ser nascido de Deus são retratados como contemporâneos, ou talvez mais provavelmente , que crer preceda logicamente o ser nascido de Deus. De maneira alguma a gramática por si só dá crédito a ver o verbo perfeito indicativo (`tem nascido’) como necessariamente anterior ao particípio presente (`tem crido’). É surpreendente que alguns estudiosos tenham cometido um erro tão básico acerca da regeneração preceder fé em seu argumento para regeneração preceder fé em 1João 5:1[43]. Isto dá a impressão que, na sanha de encontrar um texto-prova para suportar sua própria convicção teológica, eles têm sido menos que cautelosos ao lidar com o texto. Mas é momento para maior cuidado ser tomado com 1João 5:1 e para seu falacioso argumento ser desprezado. O argumento do contexto epistolar invocando um padrão em 1João para indicar os resultados da regeneração, algumas vezes com as mesmas construções gramaticais de 1João 5:1a, é mais forte, mas falha em resgatar 1João 5:1 como texto-prova para regeneração precedendo fé por uma série de razões delineadas neste artigo, incluindo o distintivo e crucial papel da fé na epístola e na teologia joaninas. Advogados da regeneração anterior à fé fariam melhor se olhassem em outro lugar por suporte escritural. Mas a alegação de Piper, citada no início deste artigo, sobre 1João 5:1 ser `o mais claro texto do Novo Testamento acerca do relacionamento entre fé e novo nascimento'[44] está falando acerca disso, oferecendo pouca esperança de encontrar qualquer suporte escritural sólido para a doutrina da regeneração precedendo fé[45].

Regeneração Precede Fé? O Uso de 1João 5:1 Como Texto-Prova – O Argumento do Contexto Epistolar para Regeneração Precedendo Fé em 1João 5:1

O Argumento do Contexto Epistolar para Regeneração Precedendo Fé em 1João 5:1

Não obstante a falácia do argumento gramatical que contra-atacamos, alguém pode tentar argumentar que seu ponto fundamental é resgatado pela presença de outras passagens em 1João indicando os resultados da regeneração (2:29, 3:9, 4:7, 5:4,18).[29] Duas delas usam a mesma construção de 5:1a, πας + particípio presente substantival + perfeito passivo indicativo (2:29, 4:7), com o particípio presente substantival identificando o resultado da regeneração em algum sentido. Mas isto não é convincente em favor de 1João 5:1a indicando fé como resultado da regeneração por diversas razões.

1 – Não segue que por causa de 1João identificar outros fenômenos como resultado da regeneração que todo fenômeno que ele conecta com regeneração é seu resultado. Pode igualmente ser que outro fenômeno associado à regeneração é na realidade a causa da última ou não ter qualquer relacionamento causal com a mesma.

2 – O argumento em questão é um baseado no contexto, mesmo assim ainda existe um fator-chave contextual específico envolvido em cada uma das passagens que sugere alguma espécie de papel causativo para regeneração mas não está presente em 1João 5:1a, a saber, que Deus tenha uma certa qualidade (seja ela qual for em cada caso específico), e que portanto, aquele que nasceu dele, seu filho, será como o seu pai. Este é o caso de semelhança familiar por assim dizer (cf. o antigo refrão, `tal pai, tal filho’). Central a cada uma das passagens indicando regeneração como a causa de alguma qualidade no crente é a noção de semelhança causal entre pai e filho[30]. Este não é o caso em 5:1a. O assunto aqui não é o crente sendo como Deus o Pai em crer em Jesus. O Pai não crê em Cristo de maneira salvífica como os homens o fazem.

3 – Como já notado, a preocupação prioritária na epístola com respeito à regeneração era prover segurança a seus leitores que eram fiéis ao seu ensino que eles eram de fato nascidos de Deus, e portanto eram filhos de Deus em possessão da vida eterna. Portanto, a ênfase nas afirmações `nascidos de Deus’ é sobre dar evidência da regeneração, não particularmente da natureza causativa da regeneração. Os efeitos da regeneração são indicados como tais porque seja se causas de regeneração servem automaticamente como evidência certa de regeneração, dando segurança de filiação e vida eterna para a quele possuindo as qualidades produzidas pela regeneração. Mas como notado antes, a causa da regeneração serviria a mesma função. Este ponto é enfatizado pelo tempo perfeito usado para regeneração nas afirmações `nascidos de Deus’, desde que o tempo perfeito aqui quase certamente enfatiza o estado presente regenerado do crente (um perfeito intensivo ou resultativo)[31], como é reconhecido até mesmo por alguns advogados de 1João 5:1 como texto-prova para a regeneração precedendo fé[32]. Portanto, o tempo perfeito em 1João 5:1a enfatiza o interesse de João em abordar o presente estado dos crentes em vez do relacionamento causal entre fé e regeneração.

4 – Fé é relativamente única entre outros fenômenos relacionados à regeneração na epístola, porque ela também é retratada como causando estas outras qualidades para não mencionar outros adicionais. João retrata fé como resultando justiça, obediência, conhecimento salvífico de Deus, amor, vitória sobre o mundo, e vida espiritual[33]. Mais criticamente, João apresenta fé como o meio pelos qual crentes recebem vida espiritual (1Jo 5:10-13; cf. 2:23-25; 5:20)[34], a iniciação do que seria a regeneração. Este é um tema prevalente da teologia joanina (Jo 3:15-16,36; 4:14; 5:24,40; 6:47,51-54; 20:31), para não mencionar o Novo Testamento em geral. Mas se vida espiritual é recebida pela fé, então isto coloca fé pelo menos logicamente anterior à concessão de vida espiritual, e portanto, logicamente anterior à regeneração, que é a concessão inicial de vida espiritual[35]. Em minha opinião, João teria esperado leitores familiares com seu ensino de que vida espiritual vem pela fé soubessem que regeneração é concedida pela fé, e entender 1João 5:1a de acordo, ainda que sua intenção não fosse especificamente fazer este ponto, mas novamente, dar segurança de filiação e vida eterna para sua audiência de crentes.

5 – Jo 1:12-13 é determinativo em estabelecer fé como anterior à regeneração na teologia de João[36]. Jo 1:12 indica que pessoas se tornam filhas de Deus pela fé. Isto é, mediante o crer, Deus lhes dá o direito de se tornarem algo que eles não eram antes de crerem – filhos de Deus. Jo 1:13 então clarifica que eles se tornam filhos de Deus não de ascendência humana (esta é a significância de `não pelo sangue, nem pela vontade da carne [o que se iguala à desejo sexual que pode levar à procriação]’, nem da vontade de um marido [que poderia estar na questão de atividade sexual/procriação]’), mas de Deus, descrevendo o seu tornar-se filhos de Deus como nascidos de Deus. `Tornar-se filhos de Deus’ e `nascer de Deus’ são expressões paralelas referentes ao mesmo fenômeno. De fato, o mesmo tipo de paralelismo entre ser nascido de Deus e ser filho de Deus ocorre em 1Jo 2:29-3:2 e 3:9-10, enquanto 5:1 (de todos os versos!) usa o ‘aquele que tem nascido dele [Deus]’ (τον γεγεννημενον εξ αυτου) como sinônimo virtual de `filho de Deus’, levando diversas traduções a transformar τον γεγεννημενον εξ αυτου como `o filho nascido dele’ ou algo semelhante[37]. Desde que `tornar-se filho de Deus’ e `ser nascido de Deus’ são expressões paralelas referentes ao mesmo fenômeno, e o anterior é claramente apresentado como contingente à fé, o texto apresenta o ato de Deus em regenerar crentes, fazendo-os seus próprios filhos, cono resposta à sua fé. Seria argumentação ad hoc, e um expediente desesperado, argumentar que tornar-se filho de Deus e ser nascido de Deus são distintos no contexto joanino ou que o texto permitiria que uma pessoa pudesse ser nascida de Deus e ainda assim não ser sua filha. Alguns estudiosos têm sugerido que o texto assume uma distinção entre adoção e regeneração, falando do anterior em 1:12 e do posterior em 1:13[38]. Mas a literatura joanina não faz distinção que seja entre adoção e regeneração[39]. Seria exegética e hermeneuticamente ilegítimo insistir que existe tal distinção em Paulo, e portanto, que João deveria ter em mente a distinção de Paulo.

Primeiro, é questionável se as epístolas de Paulo contêm qualquer distinção segura entre adoção e regeneração. É mais provável que adoção e regeneração no nível individual são simplesmente dois lados da mesma moeda no penamento de Paulo, com adoção focando na concessão formal da situação de eleito e herança, enquanto regeneração foca no elemento de mesma realidade que é a concessão da natureza divina/Santo Espírito, que concretamente confere a situação de eleito e herança. Em outras palavras, Paulo parece ver a fase inicial da adoção como sendo praticamente efetuada pela regeneração, a concessão do Espírito de adoção e herança (cf. Rm 8:9-11,14-17). Claro, tanto no pensamento de João quanto no de Paulo a entrega do Espírito ocorre pela fé e é de acordo precedido por ela logicamente (e.g., John 4:14,7:38-39, Gl 3:1-6,14). Interessantemente, a única instância de uso da palavra `regeneração’ (παλιγγενεσια) no corpus paulino tradicional é em Tito 3:5, onde ela parece ser aproximadamente equivalente à entrega do Espírito ou a algo que é completado pela entrega do Espírito.

Se Paulo distinguia entre adoção e regeneração o suficiente para que houvesse qualquer ordem lógica entre eles, então ele tratava adoção – e portanto a fé que a precede – como precedendo regeneração de acordo com Gálatas 4:6 – `Porque sois filhos, Deus derramou o Espírito de seu filho em vossos corações, que clama, “Aba Pai”. Parece que no pensamento de Paulo adoção e regeneração podem ser geralmente tratados como a mesma realidade, mesmo que mais precisamente, eles possam ser distinguidos de uma maneira complementar ao dizer que a situação de filiação é formalmente conferida mediante o crente pela fé-união com Cristo, simultaneamente levando a uma natureza de filiação sendo comunicada ao crente pela regeneração[40]. Isto é, adoção torna crentes filhos pelo decreto e regeneração torna os crentes filhos por natureza. De fato, adoção vem à sua inaugurada completude em regeneração, e então os dois podem ser naturalmente vistos como um só. Bem como o conceito grego nos ensina, o mesmo evento pode ser visto legitimamente em complementariedade de mais de uma maneira.

Segundo, mesmo se existisse uma distinção clara entre adoção e regeneração em Paulo, não segue que existe uma em João. Não há dica de tal distinção em João, e é completamente concebível que o que Paulo pensava como adoção, João cogitava como regeneração. Ou se João mantinha alguma espécie de distinção entre elas, ele ainda poderia tê-las concebido em conjunto como um só evento. De qualquer maneira, é exegeticamente implausível neste caso ler Paulo em cima do texto de João de tal forma a fazer o entendimento do texto de João se apoiar numa distinção que João nunca menciona. Além disso, a lógica absoluta do texto de João permanece contra qualquer movimento dessa espécie, desde que isto contradiria a óbvia ideia que o próprio ato de ser nascido de um pai faz uma pessoa filho de tal pai. Uma pessoa não pode ser nascida de um pai e mesmo assim precisar de alguma coisa além para ser filho deste pai, mesmo se tal elemento adicional é simultâneo ao nascimento. Não se pode ser nascido de Deus e ainda assim não ser seu filho.

Mesmo que alguém negasse, contra a majoridade dos comentaristas, que a referência a θεληματος σαρκος ou θεληματος ανδρος é sobre ascendência humana especificamente e insistir que ela se refere a vontade humana em geral, isto não faria a ação divina da regeneração menos que a resposta à fé humana e portanto condicional a ela. Nem isto seria inconsistente com a atribuição de João 1:13 do ato da regeneração para Deus. O texto indica que Deus é aquele que concede o direito de se tornar filho de Deus e aquele que regenera. Seu fazer isto em resposta à fé é matéria de sua alçada e não deveria de forma alguma fazer a escolha humana ser fonte da regeneração em vez de Deus não mais que a faria fonte da justificação, que inegavelmente é pela fé. Interessantemente, em seu excelente comentário sobre João, o eminente estudioso calvinista D. A. Carson se esforça para evitar a óbvia implicação de João 1:12-13 que crentes se tornam nascidos de novo / nascidos do alto pela fé[41]. Mas num momento posterior de distração no comentário, o senso exegético de Carson dá o melhor de sua teologia, levando- o à franca admissão enquanto comentando em João 3:3 que `Leitores que seguiram o Evangelho até este ponto irão instantaneamente pensar (como Nicodemus não pôde) de Jo 1:12-13: “nascer de novo” ou “nascer do alto” deve significar a mesma coisa que “se tornar filho de Deus”, “ser nascido de Deus”, crendo no nome da Palavra Incarnada[42]. Isto está exatamente correto.

Traduções Crédulas: Romanos 13: Comandado pelo Pecado, Ordenado pelo Amor

Pois bem, como dantes afirmado, vou postar algumas variedades. Em especial, algo que estou estudando e me fascinou: anarquismo cristão!

Aqui, neste artigo, teremos uma argumentação acerca de uma passagem muito usada para se defender uma espécie de letargia cristã sobre ser contra “Estados democráticos e legitimamente constituídos pelo próprio Deus” (ainda que isto implique bater palmas para ditadores e psicopatas de colarinho branco).

Sim, agora Credulo também é política! Enfim, espero, como sempre, que leiam e reflitam.

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Rápido Comunicado Solto

Pois bem, peço mil perdões por ter abandonado este e os outros blogs.

Não gosto de dar desculpas ou explicações, sou da teoria que ações e resultados importam mais que lamentações. De qualquer modo, vou resumir:

1 – Estou ajeitando algumas coisas e estudando seriamente para ter um pouco mais de tempo e dinheiro ano que vem.

2 – Em caráter de fusão, desativarei em instantes o blog Futuro no Pretérito, e concentrarei os posts-tradução de teologia aqui no Credulo mesmo. Isto será algo quase imperceptível, afinal não tem muitos posts de escatologia ainda…

Enfim, é isso!

Traduções Crédulas: Arminius sobre a Divindade de Cristo

Parece que é mania entre os reformados de hoje em dia espalhar mentiras acerca de arminianos. As mais recentes foram acerca de Roger Olson, chamando-o de blasfemo perigoso por achar que um deus como o descrito pelo calvinismo não seria digno de louvor (interessante notar que estes mesmos calvinistas adoram de paixão gente como Augustus Toplady e John Owen, que criam da mesma forma que um deus como o descrito pelo arminianismo é fraco e débil, digno de pena; para não contar alguns boatos acerca de Augustus Nicodemus, de quem foi dito ter dito que a deidade arminiana é “banana”).

Mas a mais nova-velha é duvidar da ortodoxia, ou mais especificamente da cristologia de Arminius. Já falei sobre um pretenso doutor que afirma Arminius ser ariano, usando pretensas fontes primárias.

Aqui, pretendo colocar o que Arminius disse acerca da divindade do Filho de Deus. Tirem suas conclusões!

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Traduções Crédulas: Suarez sobre Sentido Composto e Sentido Dividido

Suarez sobre Sentido Composto e Sentido Dividido

Porém, a ação em si mesma não deve ser contada entre as coisas que são necessárias para agir. Isto é evidente per se, desde que do contrário não se estaria afirmando nada de especial sobre as causas sob discussão; em vez disso, se estaria fazendo uma afirmação que todas as coisas — não apenas para todos os agentes mas para todas as entidades também — a saber, que se elas têm uma forma que pela qual são constituídas com tal e tal esse ou debaixo de uma tal noção, então o consequente que eles são de tal tipo segue necessariamente. Pois assim como se alguém tem brancura, então ele é necessariamente branco, então também se alguém exerce uma ação, ele necessariamente efetua algo – onde isto é meramente a necessidade da consequência (como eles dizem): isto é, uma necessidade condicionada, e não a necessidade do consequente – isto é, uma necessidade absoluta. O tipo anterior de necessidade é irrelevante no presente contexto, desde que causas não podem ser distinguidas com respeito a ele[1]. Portanto, a fim da discussão ser lidada com verdadeira e própria necessidade, a ação em si não deve ser incluída quando uma causa é dita atuar necessariamente uma vez que todas as coisas requeridas estão presentes.

A partir disto segue, a fortiori, que o que quer que seja posterior à ação ou consequente a ela não deve ser incluída. Isto é óbvio per se. De fato, falando apropriadamente, nada deste tipo pode ser dito como necessário para a ação; em vez disso, é dito que é necessário dada a ação. (Francisco Suarez. On Efficeint Causality. p 271. Traduzido por Freddoso.)


1 – É trivial e universalmente verdadeiro que necessariamente, se um dado agente age, então ele age. No contexto presente, por contraste, nós estamos interessados nas condições sob as quais é verdadeiro que um dado agente age necessariamente, onde a necessidade está ligada à ação em si absolutamente.

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